02/12/2009

ANÓDOA

A nódoa, ao contrário do que pensam os chamados espíritos elevados, não é um simples produto de geração espontânea. Nasce como uma flor ou um animal, cresce e desenvolve-se e afronta tudo com a placidez calma e heróica dos heróis convictos.
Continuando na minha afirmação bem alicerçada, solidamente erguida à custa de dispendiosos, aturados e mal compreendidos estudos, tenho a informá-los de que, para se conseguir uma nódoa, é preciso apanhá-la. Há várias maneiras, mais ou menos perfeitas, de se apanhar uma nódoa; mas, a mais corrente e sem dispêndios de maior, é a distracção.
Coloca-se uma pessoa a uma mesa, sem guardanapo, e pensa no dia de ontem ou de amanhã – para o caso dá o mesmo; o que convém é não pensar no que se está a fazer – e ela lá vem dum salto... quando tem a certeza de cair bem.
Depois, na rua, um amigos aponta-nos a nódoa. Encaixilhamos uma cara pouco recomendável para fotografias e dizemos: Não sei como isto foi...
E é de lamentáveis ingenuidades como esta, que nasceu a lenda absurda da geração espontânea.
Quando o marido de V. Exa. chegar a casa, com esse espírito pesquisador e bisbilhoteiro que V. Exa. tem, depressa encontra a mancha. Daqui para diante principia a procurar a melhor maneira de fazê-la desaparecer. Consulta as amigas, livros, perde o seu tempo rebuscando os velhos alfarrábios e não encontra nada que a satisfaça.
Ora eu, que vim ao mundo para desvendar os mistérios insondáveis, não posso deixar de informá-las da maneira mais prática de se livrarem dessas malditas nódoas.
Nada de benzinas. Nada de amoníacos... e nada de se meterem a receber conselhos dessa inconsciente massa ignara que vegeta por sobre o orbe terrestre... e se chama "amiga".
Só há duas espécies de nódoas: as que saem... e as que não saem.
As primeiras, com certa esperteza e manha, torna-se facílimo colocá-las fora de combate. Como todos sabem, a nódoa é uma coisa muito estúpida; quando resolve sair... sai mesmo.
Nesta altura não se contraria o seu alevanto espírito aventureiro e deixa-se sair. Isso é lá com ela... que se arranje.
Agora é preciso ter mais calma e muito cuidado.
...


in Sampaiadas de Sampaio, 1962

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